Política docente

Politica Docente

Política Docente

As políticas educativas incluem a figura do professor e outros temas vinculados ao trabalho docente.

No projeto do novo Plano Nacional de Educação do Brasil – PNE (2011-2020), a melhoria da qualidade do ensino e a valorização dos profissionais da educação se apresentam como importantes desafios da agenda educacional brasileira.

É nessa direção que o livro comentado busca mapear e analisar as políticas docentes produzidas nos diferentes âmbitos – da União, dos estados e dos municípios – e focaliza a formação inicial e continuada para o magistério, a carreira docente e avaliação dos professores; as formas de recepção e acompanhamento dos professores iniciantes bem como os subsídios oferecidos ao seu trabalho.

Políticas no âmbito em que são formuladas permitiu às autoras identificar os pressupostos, direcionamentos e diversidade, além das alternativas sinalizam positivamente a equalização das oportunidades formativas, de carreira e de condições de trabalho, e seus efeitos na qualidade da educação oferecida pelas escolas públicas aos jovens e às crianças.

 

ESCOPO DO TRABALHO,

ABRANGÊNCIA E ABORDAGEM

A preocupação com a educação e, em decorrência, com a formação de professores e as suas condições de trabalho aparece como uma questão importante na sociedade, em razão das demandas e das pressões de variados grupos sociais, considerando os novos ordenamentos estruturais no mundo contemporâneo.

Neste contexto, decisões de governo relativas à educação podem sinalizar sobre a importância política real atribuída a esse setor da ação governamental.

O modo como essas decisões são formuladas e implementadas em determinados contextos – a maneira como são propostas e colocadas em ação; a sua articulação, ou não, entre si e com políticas mais amplas, com metas claras, ou não; o seu financiamento; o seu gerenciamento etc. – oferece indícios da sua adequação e informa sobre o tipo de impacto que poderão ter, à luz do conhecimento já acumulado sobre o desenvolvimento de políticas e programas governamentais, em determinadas condições.

CONSIDERANDO A PERSPECTIVA DAS POLÍTICAS

O olhar sobre as políticas implica pensar em “governo da educação”, como afirma Tedesco (2010, p. 20), o que supõe, segundo o autor, uma mudança conceitual respeitável, colocando as políticas relativas aos docentes em um marco de governo, ou de governos que se sucedem em uma sociedade, e não as tratando como programas esparsos ou de forma genérica, sem ancoragem.

Considerando que o “sistema educativo e seus problemas de governabilidade não são mais que reflexo dos problemas de governabilidade que existem na sociedade em seu conjunto” 1 , tem-se, como decorrência, que as linhas de ação governamental implementadas na direção das redes escolares adquirem significado específico, a depender do contexto sociopolítico e do momento em que são desenvolvidas.

Questões de gestão, centralização, descentralização, financiamento, autonomia, ênfases curriculares, avaliação etc. adquirem sentidos diferentes em situações sociais e políticas diversas. O autor exemplifica bem a questão:

Não é a mesma coisa dar autonomia para as escolas quando temos escolas com alto nível de profissionalismo em seu trabalho, com projetos, com participação comunitária, que lhes dar autonomia como uma forma de se desresponsabilizar pelo estabelecimento escolar (TEDESCO, 2010, p. 20).

Desse ponto de vista, cabe perguntar, à luz das políticas postas em ação pelas diferentes instâncias de governo no Brasil – país federativo que é –, se elas traduzem uma posição de governo articulada com clareza de direção, com metas integradas e compreensivas, com balizas sobre onde se pretende chegar ou que processos e dinâmicas educacionais se pretendem desencadear.

O contexto societário mais amplo em que as políticas se realizam, por sua vez, cria sentidos e demandas que, em períodos anteriores, não estavam postas.

Nas últimas décadas, a América Latina viveu um paradoxo, pois, se, por um lado, as ameaças antidemocráticas diminuíram sensivelmente, por outro lado, a democracia não conseguiu ainda dar sentido à maioria das demandas da cidadania, em especial no que respeita aos setores mais empobrecidos, o que coloca mais desafios aos sentidos de um governo da educação e do seu papel para amplas camadas sociais (CAVAROZZI, 2010).

É Tedesco (2010) que lembra que, há algumas décadas, a educação, o governo da educação, o trabalho dos professores, os currículos, entre outros aspectos relativos à escolarização, se definiam dentro de um projeto de construção de um Estado-nação – a finalidade das redes educacionais. Hoje, a finalidade está situada, em tese, na construção de uma sociedade mais justa.

O contexto atual é o da inclusão de todos no que diz respeito aos bens públicos educacionais e sociais, e isso não estava posto anteriormente nos projetos de Estado como nação. Em decorrência, precisamos de “uma escola justa e para ter uma escola justa precisamos de professores que assumam esse compromisso” (TEDESCO, 2010, p.21 e 24).

Há, então, duas vertentes analíticas a considerar na discussão de um governo da educação: o cenário sociocultural mais amplo em que nos movemos na sociedade globalizada e as políticas para a educação e para os docentes, em particular, colocadas pelos diferentes níveis de gestão educacional no Brasil.

O QUE DIZEM AS PESQUISAS SOBRE FORMAÇÃO E POLÍTICAS DOCENTES

As pesquisas sobre formação de professores cresceram muito nos últimos anos. O mapeamento da produção acadêmica dos pós-graduandos na área de educação, realizado por André (2009) mostra que, na década de 1990, o volume proporcional de dissertações e teses da área de educação que tinham como foco a formação de professores girava em torno de 7%; já no início dos anos de 2000, esse percentual cresce rapidamente, atingindo 22%, em 2007.

A mudança não ocorreu apenas no volume de pesquisas, mas também nos objetos de estudo: nos anos de 1990, a grande maioria das investigações científicas nessa subárea centrava-se nos cursos de formação inicial (75%); nos anos de 2000, o foco dirige-se ao(à) professor(a), aos seus saberes, às suas práticas, às suas opiniões e às suas representações, chegando a 53% do total de estudos.

A intenção de ouvir os professores para conhecer o que dizem, pensam, sentem e fazem nos parece muito positiva, se o que se pretende é descobrir, com eles, quais os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade que se reverta em uma aprendizagem significativa para todos os alunos.

No entanto, essa mudança de foco das pesquisas provoca dois tipos de preocupação: por um lado, que não se deixe de investigar a formação inicial, que ainda carece de muito conhecimento sobre como formar professores competentes para atuar no mundo atual; por outro lado, as pesquisas não podem correr o risco de reforçar uma ideia, corrente no senso comum, de que o(a) professor(a) é o único elemento no qual se deve investir para melhorar a qualidade da educação.

Há outros elementos igualmente importantes – como a valorização social da profissão, os salários, as condições de trabalho, a infraestrutura das escolas, as formas de organização do trabalho escolar, a carreira – que devem fazer parte de uma política geral de apoio aos docentes. São múltiplos os fatores que não podem ser esquecidos, nem desconsiderados no delineamento de políticas para os professores.

Mapeamento recente das pesquisas dos pós-graduandos brasileiros (ANDRÉ, 2010) mostrou que as políticas docentes não eram objeto de interesse dos pesquisadores nos anos de 1990 e continuam sendo muito pouco investigadas. No período de 1999 a 2003, de um total de 1.184 pesquisas, apenas 53 (4%) se voltavam para esse tema.

Daí a importância de fazer um balanço das políticas voltadas aos docentes no Brasil e discuti-las. No âmbito internacional, as discussões sobre políticas docentes têm sido alvo de eventos e publicações.

Destacam-se aqui os artigos que compõem o texto “Comentários sobre os informes Eurodyce e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a questão docente”, publicados na Revista de Educación, n. 340 (2006).

Especialistas de grande renome, e que citamos genericamente, como Zarazaga, Enguita, Montero, Zabalza Beraza e Imbernón, foram convidados para fazer uma análise dos informes de diferentes países da Europa publicados no Relatório Eurydice: “A profissão docente na Europa: perfil, tendências e problemáticas”, de 2004, assim como o Relatório da OCDE sobre “A questão do professorado: atrair, capacitar e conservar professores eficientes”, de 2005.

Dos cinco artigos que comentam os relatórios, selecionamos o de Imbernón (2006), que volta sua análise mais diretamente para as políticas docentes do contexto europeu. Esse autor assinala que, embora os países sejam muito próximos geograficamente, não se pode esquecer de suas diferenças históricas em termos de estruturas políticas, econômicas, sociais e educacionais.

No entanto, tais diferenças não obscurecem o esforço positivo que todos fazem para mudar as políticas docentes.

Entre os aspectos comuns dos informes dos diferentes países, Imbernón destaca os seguintes:

  1. a escassez de professores, indicada por vários países como resultado de uma profissão pouco atrativa; essa questão surge com maior gravidade nos Países Baixos, na Bélgica e na Suécia, ainda que esteja presente em outros países europeus, em menor grau;
  2. esforços para implementar políticas que contemplem a participação dos professores na sua formulação, que promovam redes de aprendizagem entre eles, que aumentem o gasto público em educação (embora haja uma tendência para diminuí-lo em todos os países), e que seja profundamente revisto o conhecimento acadêmico e prático que os docentes devem possuir para responder aos desafios atuais;
  3. formação permanente do professorado, considerando suas necessidades práticas e contextuais, assim como as temáticas atuais;
  4. instauração de carreira docente ao longo da vida e verdadeiro processo de avaliação da formação;
  5. melhoria dos critérios para seleção do professorado (sobretudo da entrada na universidade);
  6. programas sistêmicos de integração de professores principiantes.

Imbernón (2006) conclui o artigo, destacando políticas comuns aos diversos países. Todos os países defendem a ideia de que se deve dar prioridade à qualidade, e não à quantidade, embora todos concordem que isso seja difícil, porque a docência é um trabalho com muita demanda.

Para aumentar a qualidade, são necessários melhores critérios de seleção, tanto para o ingresso dos estudos, quanto no posto de trabalho, introduzindo uma avaliação ao longo da carreira docente e apoiando o professorado com maiores recursos.

Outro ponto de destaque é a necessidade de novo perfil profissional para enfrentar os desafios de ensino e de aprendizagem no momento atual e no futuro. Isso requer que os docentes adquiram maior competência pedagógica, capacidade de trabalhar com os colegas e que seja dada às escolas maior responsabilidade com maior descentralização da gestão de seu pessoal.

O autor acrescenta ainda um aspecto que também está presente nos relatórios: a atenção que deve ser dada aos novos docentes em sua inserção profissional. Menciona que alguns países estão introduzindo pós-graduação específica em magistério para os que têm experiência prática em escolas, mas não têm titulação na área da educação, para dotar a profissão de uma entrada mais flexível. Para finalizar, o autor aponta os três vetores que cruzam os discursos de todas as comissões e todos os informes internacionais analisados:

  • Estudar as novas competências que o professorado deve adquirir na sociedade atual.
  • Tornar a profissão mais atrativa, seja na entrada, seja no seu percurso, para reduzir a escassez de professores em muitos países (melhorar o salário, a imagem e o prestígio social, a carga de trabalho, a segurança no trabalho e a carreira).
  • Tornar a instituição educativa mais autônoma, mais responsável pela sua gestão pedagógica, organizativa e de pessoal (IMBERNÓN, 2006, p.48).

Outra fonte de referência a que recorremos para uma visão das políticas docentes foi um trabalho de Denise Vaillant (2006), no qual ela discute a profissão docente no contexto da América Latina. A autora toma como base para suas reflexões o projeto Professores na América Latina: Radiografia de uma Profissão, que analisa informes de diferentes países. Adverte que não se pode esquecer das significativas variações existentes entre os diferentes países do contexto latino-americano, mas é possível identificar alguns pontos comuns:

  • Um entorno profissional que dificulta reter os bons professores na docência. Há poucos estímulos para que a profissão seja a primeira opção na carreira. Acrescente-se a isso condições de trabalho inadequadas, problemas sérios na remuneração e na carreira.
  • Muitos professores estão muito mal preparados, o que requer esforço massivo de formação em serviço.
  • A gestão institucional e a avaliação dos docentes, em geral, não têm atuado como mecanismo básico de melhoria dos sistemas educativos. Vaillant (2006) insiste que os dados de perfil dos docentes latino-americanos revelados pela pesquisa devem ser levados em consideração, ao pensar-se nas políticas educativas.

A grande maioria do professorado é do sexo feminino, tende a ser mais jovem que nos países desenvolvidos, provém, em geral, de setores e famílias com menor capital cultural e econômico em termos relativos e cujo salário contribui com porção significativa da renda familiar, correspondendo, em alguns países, a 45% da renda total familiar.

Outro ponto de destaque nesse perfil é que o preparo e os anos de escolaridade dos docentes latino-americanos (12 anos) é significativamente menor do que no grupo formado por Estados Unidos, Japão e países da OCDE (16 anos), o que resulta em um comprometimento da educação recebida por crianças e jovens latino-americanos, em especial de contextos socioeconômicos desfavorecidos.

No que se refere à carreira docente, Vaillant (2006) mostra que, em geral, a antiguidade é o principal componente para que o(a) docente possa avançar na carreira profissional, que finaliza com uma posição fora da sala de aula.

O(a) docente só consegue melhoria salarial, quando passa a ser diretor(a) de escola e, daí, a supervisor(a). Isso quer dizer, enfatiza a autora, que, para subir de posto, o(a) docente tem de afastar-se da sala de aula, o que traz, como consequência perversa, o abandono do ensino por parte dos que são bons professores.

A avaliação dos docentes ao longo da carreira é quase inexistente, e não há incentivos para que os bons professores trabalhem em escolas de contextos socioeconômico mais desfavorecidos. A autora conclui que essa situação “confirma a existência de um círculo negativo que afasta os docentes mais experientes e bem formados daquelas zonas em que mais são necessários” (VAILLANT, 2006, p.125).

Quanto aos salários, a autora assinala que há variações importantes nos diversos países: Chile e El Salvador têm as melhores médias salariais, enquanto Uruguai, Honduras e Colômbia têm nível intermediário, ao passo que, na Nicarágua e na República Dominicana, estão os mais baixos.

De modo geral, os níveis salariais dos países latino-americanos são muito mais baixos do que os dos países desenvolvidos, conclui a autora. Chama ainda a atenção para o fato de que, nos últimos anos, o salário real dos professores caiu notoriamente.

Há ainda um importante aspecto a considerar: a formação inicial deve merecer atenção especial nas políticas docentes, porque é o primeiro ponto de acesso ao desenvolvimento profissional contínuo e tem um papel fundamental na qualidade dos docentes que passam por esse processo, diz a autora.

Ao analisar a situação das instituições formadoras na América Latina, Vaillant (2006) destaca algumas preocupações, como heterogeneidade e diversidade das instituições formativas: os docentes formam-se em escolas normais superiores, institutos superiores de educação, instituições provinciais ou municipais, institutos superiores de ensino técnico, universidades, faculdades.

A proliferação e a dispersão das instituições é fato em muitos países da América Latina, o que atenta contra a sua qualidade. Muitas não têm equipamento adequado (como laboratórios e bibliotecas) para manter uma formação de qualidade.

Quanto às propostas curriculares dos cursos de formação inicial, Vaillant (2006) salienta que o exame dos casos do projeto “Docentes na América Latina – em Direção a uma Radiografia da Profissão” mostra “um deficit de qualidade nos conhecimentos disciplinares ensinados nas instituições de formação docente, assim como escassa articulação com o conhecimento pedagógico e a prática docente” (p. 129).

Conclusão similar teve a pesquisa realizada no Brasil por Gatti e Nunes (2009) e que será discutida com mais detalhe no capítulo sobre formação inicial de professores.

Um ponto adicional de destaque no artigo de Vaillant (2006) é a avaliação dos docentes, que, segundo a autora, não tem sido tema prioritário na América Latina, pelo menos em termos de políticas e práticas institucionalizadas.

Após examinar outros aspetos ligados à profissão docente – como a falta de valorização social, os fatores que geram satisfação e insatisfação profissional –, a autora seleciona quatro grupos de fatores-chave para pensar políticas docentes a fim de atrair e manter bons professores:

  • Valorização social.
  • Entorno profissional facilitador, com condições adequadas de trabalho e estrutura apropriada de remuneração e de incentivos na carreira.
  • Formação inicial e continuada de qualidade.
  • Avaliação que retroalimente a tarefa de ensinar. Os marcos referenciais para a docência e a sua avaliação deveriam constituir a base para os pro- gramas de formação inicial e para a construção das etapas e dos requisitos da carreira docente.

As análises sobre as condições de formação e de trabalho docente na Europa e na América Latina mostram pontos de convergência com a situação da docência no Brasil, como se verá nas análises procedidas neste estudo.

As reflexões trazidas põem em perspectiva mais ampla a problemática relativa às políticas voltadas aos docentes da educação básica e oferecem fundo referencial para as análises que faremos com base em documentos e dados coletados junto ao Ministério da Educação (MEC) e às secretarias de Educação de estados e municípios brasileiros.

 

 

Conheça:

UNESCO – UNESCO no Brasil

MEC – http://www.mec.gov.br/

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