Educar e Cuidar na educação infantil
O binômio Educar e Cuidar na educação infantil é geralmente visto como um processo único, mas muitas vezes sugere duas dimensões independentes: uma relacionada ao corpo e outra aos processos cognitivos. Esta dicotomia frequentemente resulta em práticas distintas nas escolas de educação infantil, com auxiliares cuidando e professoras realizando atividades pedagógicas.
O artigo nasceu de uma pesquisa sobre formação de profissionais da educação infantil, questionando por que o cuidar se configura como especificidade da educação infantil e quais significados assume.
O pressuposto é que as dificuldades em abordar o tema decorrem de fatores sócio-históricos relacionados a questões de gênero, dentro de uma sociedade capitalista-urbana-industrial-patriarcal marcada pela dicotomia corpo/mente.
A hipótese é que o binômio educar e cuidar expressa e revela tal dicotomia. O objetivo é trazer elementos teóricos para compreender a base da polêmica: o divórcio entre corpo e mente, razão e emoção, e cultura e natureza.
O artigo aborda a origem etimológica das palavras, as relações históricas entre mulheres, emoções e atividades de cuidar, e o papel da medicina do século XIX na prescrição desta afinidade e suas implicações no magistério.
Analisa-se a importância do cuidado na sociedade moderna e suas exigências. Por fim, apresentam-se reflexões sobre a necessidade de romper as cisões características da sociedade ocidental e re-articular as relações entre corpo e mente, razão e emoção, ser humano e natureza.
Este estudo busca aprofundar a compreensão das complexidades envolvidas no binômio Educar e Cuidar, visando uma abordagem mais integrada e holística na educação infantil.
Investigando as Acepções Históricas dos Termos Cuidar e Educar
Na educação infantil, o conceito de cuidar evoluiu significativamente. Até os anos 1980, “guarda” predominava em textos acadêmicos e documentos oficiais para descrever atividades assistenciais nas creches. A transição para “cuidado” e “cuidar” marcou uma mudança importante.
Nos anos 1990, surgiu o desafio de integrar creches e pré-escolas ao sistema de ensino básico. O binômio “Educar e Cuidar” emergiu como solução, reconhecendo o corpo como objeto legítimo da educação.
No Brasil, o cuidado corporal carrega uma carga histórica, associado ao trabalho escravo e às mulheres de classes populares. Essa herança cultural complica a implementação do conceito integrado.
A dicotomia persiste na prática, como ilustram depoimentos de profissionais. Alguns consideram tarefas de cuidado inadequadas para educadores, enquanto outros as encaram com naturalidade.
Essas perspectivas divergentes evidenciam o desafio de integrar efetivamente o cuidar e o educar. A superação dessa divisão é fundamental para uma abordagem holística do desenvolvimento infantil.
Em suma, a evolução desse conceito reflete uma compreensão mais profunda da educação infantil, onde cuidar e educar são aspectos indissociáveis, essenciais para o desenvolvimento harmonioso da criança.
Capacitação de Mediadores em Amparo e Ensino
Na formação de profissionais da educação infantil, surgem frequentes polêmicas sobre atribuições, especialmente entre professoras que não assumem a função de cuidar, associando-a ao corporal e doméstico. Isso cria uma cisão hierárquica: professoras educam (mente) e auxiliares cuidam (corpo).
Visões contraditórias sobre cuidar e educar aparecem em falas de professoras, textos acadêmicos e documentos oficiais. O cuidar pode referir-se à proteção física, saúde, atividades complementares à família ou atenção individual.
As entrevistadas apresentam opiniões divergentes sobre a relação entre cuidar e educar. Surge a questão: a que se referem as profissionais ao falar do duplo objetivo educar e cuidar?
Montenegro (2001) investiga a etimologia das palavras, descobrindo que cuidar e pensar têm a mesma raiz (cogitare). Originalmente, referiam-se tanto ao pensar quanto ao sentir. Com o tempo, cogitare assumiu conotações emocionais.
Na filosofia, cuidar significa cuidar de si; na enfermagem, cuidar do outro. O divórcio entre cuidar e curar na medicina corresponde à separação entre cuidar e educar na educação infantil.
A dificuldade em reintegrar estes polos decorre de uma cisão histórica entre corpo e mente, razão e emoção. Questiona-se se, em vez de manter o binômio educar e cuidar, não seria melhor propor simplesmente “educar”.
A dualidade entre cuidar e educar reflete outras dicotomias modernas: ser humano-natureza, corpo-mente, razão-emoção. Questiona-se como essa concepção axiomática influencia as práticas pedagógicas e a divisão de papéis na educação infantil, desafiando a integração efetiva do cuidar e educar.
Sociedade no cuidar e educar
A sociedade construiu uma concepção de mulher ligada à reprodução e ao cuidar, aproximando-a da natureza, enquanto o educar foi associado ao domínio masculino e racional. Esta dicotomia entre cuidar e educar persiste, sendo combatida por movimentos feministas e intelectuais que rejeitam a polarização entre o mundo profissional, racional e masculino do educar, e o informal, irracional, emocional e feminino do cuidar.
A rejeição dos pesquisadores viria da associação das mulheres ao polo de menor valor. O desafio seria demonstrar que mesmo as atividades femininas consideradas mais naturais são inteiramente sociais.
Na sociedade ocidental moderna, o cuidado evidencia as diferenças tradicionais entre homens e mulheres. Tronto afirma que cuidar é uma atividade predominantemente feminina, tanto no mercado quanto na vida privada.
Almeida questiona estudos que reduzem a investigação sobre o magistério feminino apenas à ótica do trabalho. Ela argumenta que, além de profissão, educar e ensinar é um ato de amor e paixão pelo possível, incorporando o desejo às possibilidades concretas de realização.
É necessário evidenciar relações de poder dentro do magistério e buscar a superação através da consciência profissional valorativa das professoras, aliada à ontologia de ser mulher.
Almeida critica os meios intelectuais por rejeitarem depoimentos de professoras sobre o prazer e amor dedicados ao trabalho e às crianças, não considerando que estes sentimentos são fruto da realidade histórico-social de cada uma.
Esta perspectiva ressalta a importância de reconhecer e valorizar as dimensões emocionais e relacionais do trabalho docente, especialmente no contexto do magistério feminino.
Na mesma linha, Figueiredo et alii (2002) acrescentam em Educar e Cuidar na educação infantil
“Os relatos manifestam uma espécie de erotização do conhecimento, onde paixão e razão se combinam. Longe de uma visão instrumental ou pragmática, a escolha, a vontade, o desejo estão presentes. Mais do que isso, sua identidade parece estar constituída por esse engajamento”. (…) Para quem conhece e atua na educação infantil, esse tom, essa ênfase quanto ao engajamento profissional, esse entusiasmo e aposta no trabalho não são estranhos. Tais características constituem, pode-se reconhecer, a própria identidade da profissional de educação infantil.” (p.12-14)
Historicamente, as mulheres estão relacionadas à emoção e à natureza. Contudo, mesmo considerando que esta situação lhes foi imposta socialmente, não é possível negá-la, nem tampouco desconsiderar suas implicações, negativas ou positivas. Consequentemente, em que medida as análises fundadas unicamente no paradigma do trabalho (num contexto de relações capitalistas de produção) têm contribuído para limitar a compreensão do significado, do lugar, do papel do afeto, do amor, da paixão na profissão de educar crianças? Ademais, é crucial questionar se essas análises, por vezes, negligenciam aspectos fundamentais da educação infantil. Portanto, uma abordagem mais holística se faz necessária para compreender plenamente a complexidade desta profissão.
Como diz King, “é preciso interpretar o significado histórico das mulheres terem sido situadas na linha divisória biológica em que o orgânico dá origem ao social. Esse fato deve ser interpretado historicamente para que possamos fazer o melhor uso desta subjetividade mediada, a fim de curar um mundo dividido”. (1997: 144).
Primeiramente, afirmar sua condição de geradora da espécie e assumir sua história social, sem com isto deixar de rejeitar a situação de opressão, nem reduzir-se à natureza essencial e recair no determinismo biológico. Em seguida, valorizar a experiência feminina, desconstruindo elementos de subordinação patriarcal, sem jogar fora o saber que é fruto de seu modo histórico de pensar-sentir-fazer. Consequentemente, estes seriam desafios para um projeto de formação de educadoras que visasse enfatizar a importância do cuidar. Além disso, tal abordagem permitiria uma compreensão mais profunda e nuançada do papel das educadoras. Finalmente, este enfoque holístico poderia promover uma transformação significativa na formação e atuação das profissionais da educação infantil.
A dimensão ontológica do cuidar e educar e a crise civilizatória
Que lugar, que papel, que importância tem para os humanos o cuidar?
“Cuidado é mais que um ato singular ou uma virtude ao lado de outras. É um modo de ser, isto é, a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros. Melhor, ainda: é um modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com todas as coisas. (…) Significa uma forma de ex-istir e de co-existir, de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-se com todas as coisas do mundo. Nessa co-existência e con-vivência, nessa navegação e nesse jogo de relações, o ser humano vai construindo seu próprio ser, sua própria consciência e sua identidade ”. Boff (1999: 92)
O ser humano é o único que se pergunta sobre o que é ser, sobre suas possibilidades de ser, como presente e como devir. Portanto, o cuidado está na essência do humano porque possibilita a existência humana. Consequentemente, se existir é estar atento, é preocupar-se com a existência, o cuidar assegura e caracteriza esta existência. Assim sendo, podemos afirmar que o cuidado é fundamental para a condição humana. Além disso, o cuidado não apenas define nossa humanidade, mas também molda nossas relações e sociedades. Por outro lado, é importante reconhecer que a forma como o cuidado é valorizado e praticado varia entre culturas e épocas. No entanto, sua importância central para a experiência humana permanece constante. Em suma, o cuidado define nossa humanidade, sendo um elemento essencial e inegável de nossa existência.
O cuidado possui uma dimensão ontológica que entra na constituição do ser humano. Desde o nascimento até a morte, não há ser humano sem cuidado. Para Boff, é aí que pode ser encontrado o seu ethos fundamental. “o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência”.
“Se, ao longo da vida, não fizer com cuidado tudo que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo e por destruir o que está a sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana (que responde à pergunta: o que é o ser humano?). Nas palavras de Martin Heidegger: cuidado significa um fenômeno ontológico-existencial básico. Traduzindo: um fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana enquanto humana” (Boff, 1999:34).
De acordo Heidegger, o cuidado está na raiz primeira do ser humano, é anterior e acompanha todas as suas ações. Além disso, nele está enraizado o querer e o desejar, realidades humanas fundamentais. Consequentemente, o cuidar engloba a dimensão intelectual existencial (cogitare) e a dimensão afetiva (preocupação por). Portanto, podemos compreender o cuidado como um elemento essencial da existência humana.
As mulheres, as emoções e o cuidar e educar
A tradição filosófica ocidental opõe emoção e razão desde Platão. Consequentemente, a emoção associa-se ao irracional, natural e feminino, enquanto a razão liga-se ao mental, cultural e masculino. No capitalismo emergente, o método científico neutraliza valores e emoções, reforçando estereótipos de gênero.
No século XVIII, intensifica-se essa oposição. A razão torna-se instrumental, dissociada de valores. As emoções são vistas como ímpetos irracionais a controlar. Simultaneamente, a Revolução Francesa prega igualdade, mas um movimento reafirma a condição biológica das mulheres.
No século XIX, a entrada das mulheres no mercado ameaça a ordem patriarcal. As ciências respondem com estudos das diferenças entre gêneros. Médicos argumentam que a educação poderia atrofiar órgãos reprodutivos femininos.
A teoria evolucionista justifica a dominação colonial, enquanto a hereditariedade ganha importância. A natureza é vista como hierárquica, justificando distinções de classe, raça e sexo.
Neste contexto, interpretam-se depoimentos de professoras sobre amor pelas crianças. Muitas falam da paixão pela educação infantil, mas pesquisadores rejeitam categorias subjetivas ou baseadas em diferenças sexuais.
Esta perspectiva histórica revela como construções sociais e científicas moldaram nossa compreensão de gênero, emoção e razão, influenciando a percepção do trabalho em educação infantil e a valorização das experiências das educadoras.
Na mesma linha, Figueiredo et alii (2002) acrescentam em Educar e Cuidar na educação infantil
As profissionais de educação infantil frequentemente demonstram um profundo engajamento emocional em seu trabalho, refletindo uma fusão única de paixão e razão. Esta característica, historicamente associada às mulheres, tem sido tanto uma imposição social quanto uma parte integrante da identidade profissional.
Entretanto, análises baseadas exclusivamente no paradigma do trabalho capitalista podem limitar nossa compreensão do papel crucial do afeto na educação infantil. Ao focar apenas em aspectos econômicos e produtivos, corremos o risco de negligenciar a importância do amor e da paixão nesta profissão.
É essencial reconhecer que o cuidado e a educação de crianças envolvem dimensões que transcendem as relações de produção convencionais. O afeto, longe de ser um elemento secundário, é fundamental para o desenvolvimento infantil e para a eficácia do processo educativo.
Portanto, uma abordagem mais holística é necessária para compreender plenamente o significado e o valor do trabalho na educação infantil, integrando aspectos emocionais e racionais.
Como diz King, “é preciso interpretar o significado histórico das mulheres terem sido situadas na linha divisória biológica em que o orgânico dá origem ao social. Esse fato deve ser interpretado historicamente para que possamos fazer o melhor uso desta subjetividade mediada, a fim de curar um mundo dividido”. (1997: 144).
Além disso, é fundamental reconhecer a complexidade desses desafios. Por outro lado, é igualmente importante não perder de vista os avanços já conquistados. Entretanto, ainda há um longo caminho a percorrer nessa jornada. Não obstante, cada passo dado nessa direção é significativo. Portanto, é crucial manter o foco nesses objetivos. Finalmente, a persistência e o compromisso com essa causa são essenciais para alcançar mudanças duradouras.
Ademais, essa transformação não ocorre isoladamente. Devemos trabalhar em várias frentes para promover a igualdade de gênero, envolvendo toda a sociedade nesse processo. É importante criar espaços de diálogo e estender essa discussão para outros setores além da educação. Assim, poderemos construir uma sociedade mais justa, estando atentos aos retrocessos e superando obstáculos com perseverança.
A dimensão ontológica do cuidar e educar e a crise civilizatória
Que lugar, que papel, que importância tem para os humanos o cuidar?
“Cuidado é mais que um ato singular ou uma virtude ao lado de outras. É um modo de ser, isto é, a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros. Melhor, ainda: é um modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com todas as coisas. (…) Significa uma forma de ex-istir e de co-existir, de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-se com todas as coisas do mundo. Nessa co-existência e con-vivência, nessa navegação e nesse jogo de relações, o ser humano vai construindo seu próprio ser, sua própria consciência e sua identidade ”. Boff (1999: 92)
O ser humano é o único que se pergunta sobre o que é ser, sobre suas possibilidades de ser, como presente e como devir. Assim, o cuidado está na essência do humano porque possibilita a existência humana. Se existir é estar atento, é preocupar-se com a existência, o cuidar assegura e caracteriza esta existência.
O cuidado possui uma dimensão ontológica que entra na constituição do ser humano. Desde o nascimento até a morte, não há ser humano sem cuidado. Para Boff, é aí que pode ser encontrado o seu ethos fundamental. “o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência”.
“Se, ao longo da vida, não fizer com cuidado tudo que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo e por destruir o que está a sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana (que responde à pergunta: o que é o ser humano?). Nas palavras de Martin Heidegger: cuidado significa um fenômeno ontológico-existencial básico. Traduzindo: um fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana enquanto humana” (Boff, 1999:34).
De acordo Heidegger, o cuidado está na raiz primeira do ser humano, é anterior e acompanha todas as suas ações. Nele está enraizado o querer e o desejar, realidades humanas fundamentais. O cuidar engloba, portanto, a dimensão intelectual existencial (cogitare) e a dimensão afetiva (preocupação por).
Socrates
Heidegger rompe com a tradição filosófica ocidental ao conceber o cuidado além do “cuidar de si” socrático. Sócrates introduziu questões ético-políticas na filosofia, mudando o foco do cuidado da natureza para o ser humano.
A tensão entre cuidar de si e do outro é evidente na etimologia e na filosofia. Boff, baseado em Heidegger, propõe uma fenomenologia do cuidado, vendo-o como essencial à vida e base para criticar a civilização atual.
Boff identifica dois modos de ser-no-mundo: o modo-de-ser-trabalho (intervencionista, antropocêntrico) e o modo-de-ser-cuidado (onde a natureza é sujeito, não objeto). Na sociedade contemporânea, o cuidar perdeu valor, afetando aspectos fundamentais da vida humana.A lógica do capital globalizada concentra riquezas, gerando desigualdades extremas.
No Brasil, país rico em alimentos, um terço da população passa fome. Isso demonstra nossa falta de consciência de espécie e cuidado com nós mesmos e outras formas de vida.Na sociedade de mercado, focada na produção de mercadorias e não na reprodução da vida, o cuidar se limita à esfera privada.
Isso ofusca a necessidade de um compromisso mais amplo com todos os seres, humanos e não humanos.
O desafio é aprender a cuidar numa sociedade que não valoriza o cuidado com a natureza, outras espécies ou a própria humanidade. Portanto, é necessário desenvolver uma consciência de espécie e respeito à biodiversidade. Além disso, devemos superar a visão antropocêntrica. Finalmente, precisamos nos reconectar com a natureza e todas as formas de vida. Dessa forma, poderemos construir uma relação mais harmoniosa com o mundo ao nosso redor.
Na educação das crianças, as exigências e a satisfação do cuidar e educar
A concepção de ser baseada na capacidade de ligação com outros seres e na busca de soluções para problemas morais vitais fundamenta uma nova perspectiva. Esta visão enfoca a qualidade das relações entre seres humanos e destes com a natureza.
O cuidado exige um tempo diferente do mercado, pautado na necessidade do outro, não na acumulação. Implica responsabilidade e compromisso contínuos. “Care” originalmente significa carga, envolvendo dedicação de energias e envolvimento emocional.
Cuidar é uma atividade relacional, respondendo às necessidades particulares, concretas e multifacetadas dos outros. Afeta tanto quem cuida como quem é cuidado, explicando o envolvimento e satisfação das profissionais de educação infantil.
A divisão de papéis sociais baseada na diferença sexual reflete um modo mercantil de relação com a vida.
Além disso, a etimologia explicita a relação entre cuidado e mulheres. Por exemplo, “cuidadeira” é substantivo feminino, enquanto “cuidadeiro” é adjetivo. Consequentemente, essa distinção linguística reforça estereótipos de gênero. Portanto, é crucial analisar criticamente essas construções linguísticas.
Ademais, essa análise pode revelar padrões sociais arraigados. Finalmente, compreender essas nuances é fundamental para promover mudanças significativas.
As mulheres desenvolveram o saber do cuidado ao longo da história. Sua experiência pode oferecer elementos para reestruturar instituições e movimentos, assumindo o cuidar como fundamental para todas as espécies e a sobrevivência do planeta.
Para isso, é necessário superar a ideologia que difama o cuidado como feminilização das práticas humanas e obstáculo à eficácia.
Esta mudança de perspectiva pode levar a uma sociedade mais equilibrada, onde o cuidado é valorizado e praticado por todos, promovendo relações mais saudáveis entre os seres humanos e com o meio ambiente.
Saber feminino, amor entre os humanos e respeito à biodiversidade.
A hipótese era que as dificuldades de integração entre o cuidar e o educar estão relacionadas à dicotomia corpo-mente. A análise etimológica dos termos “cuidar” e “educar” revelou outro divórcio característico da sociedade ocidental: a separação entre razão e emoção, expressão de uma dicotomia maior entre ser humano e natureza. Esta descoberta sugere que as complexidades na integração do cuidar e educar na educação infantil refletem não apenas a divisão entre corpo e mente, mas também a cisão histórica entre os aspectos racionais e emocionais do desenvolvimento humano.
O pressuposto paradigmático da modernidade é que a natureza tem uma lógica interna decifrável pela razão humana. Nesta visão, o “Homem” dispõe deste instrumento para desvendar as leis da natureza física e social. Com sua racionalidade, ele seria capaz de revelar as verdades de uma natureza submissa à investigação.
Reificada a ideia de uma razão decifradora da realidade, outros caminhos de apreensão do real (sentimentos, intuição, artes, espiritualidade) foram desqualificados. Identificado com estes caminhos considerados menos importantes, o saber das mulheres foi também menosprezado.
”(…) o pensamento tem sido até hoje uma atividade dos homens. A versão do mundo que a ciência nos propôs como origem, percurso e destino de todos nós foi, na verdade a de um sexo, de apenas um dos sexos, que, até agora, pensou o mundo em nome dos homens e das mulheres. Esta mutilação é o ponto cego da civilização. Excluídas as mulheres, o pensamento se transformou no produto de uma humanidade lobotomizada”. (Oliveira ,1992:74)
A submissão histórica das mulheres desde o século I d.C. merece atenção. Seu papel coadjuvante na sociedade moderna levanta questões importantes. Essas reflexões são relevantes para a educação infantil. Precisamos de perspectivas educativo-pedagógicas inovadoras. Devemos buscar abordagens além do racionalismo. Isso inclui formas de conhecimento ligadas à existência carnal: sentimentos, imaginação, conhecimento sensual e experiência. É crucial repensar os modelos educacionais tradicionais. Devemos incorporar uma visão mais holística e inclusiva do ser humano e da aprendizagem.
Religar o que foi historicamente divorciado, articular razão e emoção, corpo e mente, cuidado e educação. Este é um desafio fundamental na luta por uma nova sociedade planetária, fundada no cuidado e no amor entre os humanos; no respeito à cada pessoa e à diversidade cultural dos povos.
Bibliografia
FIGUEIREDO, Fabiana, KRAMER, Sonia, NASCIMENTO, Anelise, PREDOZA, Giovana, VARGENS, Paula. Nos relatos de professores, conquistas e ambigüidades da educação infantil. Cadernos do Departamento de Educação, nº 62. Rio de Janeiro, Departamento de Educação da PUC-Rio, 2002.
JAGGAR, Alison. Amor e Conhecimento: a emoção na epistemologia feminista. In: JAGGAR, A. e BORDO, S. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
KING, Yenestra. Curando feridas: feminismo, ecologia e dualismo natureza/cultura. In: JAGGAR, A. e BORDO, S. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro, Record, Rosa dos Tempos, 1997.
MONTENEGRO, Thereza. O cuidado e a formação moral na educação infantil. São Paulo, EDUC, 2001.
OLIVEIRA, Rosiska D. As mulheres e a natureza: uma relação ancestral, uma nova aliança. In: CORRAL, Thaís. e OLIVEIRA , Rosiska Darcy de (orgs.).Terra Femina. RJ, Idac/Redeh, 1992. ROHDEN, Fabíola. A construção da diferença sexual na medicina do século XIX. In: GRANDO, José Carlos. A (des)construção do corpo. Blumenau, Edifurb, 2001.
ROHDEN, Fabíola. A construção da diferença sexual na medicina do século XIX. In: GRANDO, José Carlos. A (des)construção do corpo. Blumenau, Edifurb, 2001.
SANTOS. Boaventura S. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. São Paulo, Cortez, 2001.
Excelente material